sexta-feira, 20 de junho de 2014

O fim de uma era - ascensão e queda do futebol pragmático

Quiseram os deuses do futebol que o fim de uma era de futebol pragmático se desse no Maracanã, palco onde a Espanha também sofreu a maior goleada da sua história (6 a 1, na Copa do Mundo de 1950) e perdeu por 3 a 0 para o Brasil na final da Copa das Confederações do ano passado.

Desde 2008, quando venceu a Eurocopa pela primeira vez, a seleção espanhola começou a ser apontada por muitos como uma das favoritas para vencer a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul.

Com um estilo de jogo cultivado no Barcelona, que naquele momento era considerado "o melhor time do mundo", a seleção da Espanha se caracterizava principalmente pela posse de bola e pela troca de passes.
Não era um futebol bonito de se ver, mas era um futebol inovador que não deixava o adversário jogar e "amadurecia o gol" aos poucos. E foi assim que a Espanha venceu a Copa do Mundo passada, com grandes craques como Iniesta e Xavi.

Depois disso, venceu ainda a Eurocopa de 2012 e, de uma seleção praticamente sem tradição no futebol, passou a ser considerada simplesmente a melhor seleção de todos os tempos.
Melhor mesmo do que o futebol arte dos tempos de Garrincha, Pelé e Nilton Santos ou do verdadeiramente revolucionário carrossel holandês de 1974.

O que só podia ser uma grande piada para uma seleção que, até quatro anos antes, não tinha expressão alguma no futebol.

Mas era o que se dizia por aí: a Espanha revolucionou o futebol.

Com um toque de bola extremamente chato e frequentes vitórias por 1 a 0, o futebol da "Fúria" transformou-se no principal argumento a favor do pragmatismo no futebol. Começaram expressões curiosas como "futebol cirúrgico" e a defesa da vitória e da coletividade, ao invés do futebol bonito e da individualidade.

Já discuti diversas vezes com meu namorado por ele acreditar, assim como muitos, que antigamente era fácil jogar futebol. Até que, certa vez, ele disse: "Já sei qual é a nossa grande diferença: eu gosto do futebol coletivo e você gosta do futebol individual". 
Essa talvez fosse uma verdade, mas não absoluta, visto que, assim como os desconcertantes dribles de Garrincha, o futebol coletivo da Laranja mecânica em muito me agradava. 
Então dei uma resposta ainda melhor: "Não é bem isso. A nossa grande diferença é que você gosta do futebol pragmático e eu gosto do futebol arte".

Porque a grande verdade, meus amigos, foi dita por ninguém menos que Nilton Santos:
"O futebol é a brincadeira mais séria que existe. Só vence quem pensa assim."

Não sei a partir de que momento o futebol deixou de ser uma arte, uma brincadeira, uma ginga capoeirística, para se tornar um jogo cujo único objetivo é fazer o gol, não importa a qual custo. Mas a vitória da "era Dunga" em 1994 certamente contribuiu para isso.

De uns tempos para cá, principalmente a partir da década de 1990, o futebol vem ficando truncado e chato. 

"Ah, mas antigamente era fácil driblar todo mundo, porque ninguém batia". 
E desde quando bater é considerado um recurso no futebol? Saber bater não é mérito, é apenas algo que estraga um jogo que foi feito para ser bonito.
Além disso, não é verdade que ninguém batia. De vez em quando rolavam umas porradas brabas. Esse é o principal motivo pelo qual os times brasileiros não disputavam a Libertadores nos anos 1960: todo mundo voltava pra casa roxo.

Vencer é importante, mas não acho que signifique absolutamente tudo. 

A Holanda de 1974 não foi campeã do mundo, mas é lembrada até hoje e sempre será. A Espanha, por outro lado, venceu a Copa de 2010, mas o que isso significou na prática? A seleção espanhola, na verdade, nunca foi tudo isso que se dizia por aí.
Assim como a seleção brasileira de 1994 não pode ser comparada à de 1970, apesar de ambas terem sido campeãs do mundo.

Desde a Copa das Confederações de 2013 e as duas goleadas sofridas pelo Barcelona na última Champions League, a defesa do futebol pragmático espanhol felizmente vem perdendo força.
Depois de muito toque de bola pra cá e pra lá, a Espanha caiu no momento em que os adversários descobriram que, quando adiantavam a marcação, pressionando a saída de bola espanhola, o tic-tac simplesmente não funcionava.
Uma vez que os zagueiros espanhóis perdiam a bola e o time adversário abria o placar, a Espanha não conseguia reagir, porque seu estilo de jogo foi moldado para sair na frente no placar, e não para correr atrás do resultado. Para piorar, simplesmente não se chutava a gol a menos que se estivesse na pequena área, o que mais uma vez descaracterizava o futebol, já que saber chutar bem também é uma arte. E hoje em dia, infelizmente, esse não é forte de boa parte dos jogadores.

Portanto, não é verdade que antigamente era fácil jogar futebol. 

A maior parte dos grandes jogadores sabia driblar e chutar, características de poucos hoje. 
Messi é um raro exemplo, e justamente por isso foi eleito quatro vezes seguidas o melhor do mundo: porque sabe fazer o que hoje quase ninguém sabe, mas que antigamente quase todos sabiam.

Isso faz com que, na minha opinião, Messi seja o único jogador atual capaz de ser comparado a grandes ídolos do passado. Tanto Messi como Garrincha seriam craques em qualquer época.

Espero que o fim de uma era (breve, como não poderia deixar de ser) de pragmatismo nos faça refletir novamente sobre o que é o futebol: um esporte feito para ser leve, bonito e bem jogado, e que justamente com essas características conquistou o mundo há décadas.

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